Estamos na quarta feira de cinzas, e
então, ao pó estamos voltando. Ao pó do esquecimento, ao pó da exploração de
impostos e contribuições, ao pó do anonimato e da escravização em benefício dos
mandarins de plantão!
O carnaval é festa popular, legítima
e transgressora que traz felicidade e olvido dos males por alguns dias.
Caracteriza-se pela inversão de classes, gêneros, raças enfim, uma festa
realmente democrática e popular.
Sua origem tem uma discussão
intensa, mas acredita-se que no ano 590, o papa Gregório incorporou o Carnaval
ao calendário das festas cristãs.
A Quaresma, período de quarenta dias
de jejum e santificação entre a quarta-feira de cinzas e a páscoa, é o período
de expiação de nossos abusos na festa que dá adeus à carne.
Assim, desde suas origens o carnaval
era uma festa transgressora onde as pessoas comiam carne até vomitar, faziam
sexo proibido, invertiam hierarquias e bebiam até cair.
A partir da Quarta-Feira de Cinzas,
os fiéis iam à igreja para receber as cinzas na testa, enquanto ouviam o padre
dizer em latim: “Memento homo, quia
pulvis es, et in pulverem reverteris” (Lembra-te homem, que tu és pó
e ao pó voltarás).
No entanto este ano, tivemos a
surpreendente discussão sobre a chegada do politicamente correto às marchinhas
de Carnaval. As letras de algumas delas têm sido questionadas por serem
consideradas machistas, homofóbicas e racistas.
Um exemplo é a música A
faixa amarela, cuja letra diz que um homem vai presentear a sua
amada e sugere que, se ela tiver alguma relação extraconjugal, vai sofrer
castigos físicos e morais.
Ainda, músicas como Maria
sapatão ou O teu cabelo não nega. No Rio de Janeiro,
alguns blocos de Carnaval recusam-se a tocar marchinhas desse tipo, mas o povo
não cansa de votar em Cunhas, Pézões, Cabrais e Garotinhos. Por que não
cuidamos de ser politicamente corretos quando tratamos de votar?
É neste contexto que surge Preta Gil,
filha de Gilberto Gil e uma das cabeças jovens mais lúcidas, que saiu em defesa
de algumas marchinhas clássicas, como a "Cabeleira do Zezé" e
"Maria Sapatão", depois de serem banidas em blocos do Rio e de São
Paulo, acusadas de "preconceituosas" e "politicamente
incorretas".
Disse a cantora:
"A
gente precisa tomar muito cuidado porque as pessoas, hoje em dia, levam as
coisas a 'ferro e a fogo'. Por exemplo: como é que eu não vou cantar 'Maria
sapatão, sapatão..." ou "olha a cabeleira do Zezé'?! Eu duvido se tem
alguém gay que se sentiu ofendido por essas músicas. Eu duvido, porque isso faz
parte da nossa história, da nossa cultura, a gente não pode apagar a
história".
Preta afirmou que essas músicas
foram feitas em épocas onde tudo era tabu, e que as marchinhas serviam para
introduzir, de maneira natural, certos assuntos, como a homossexualidade, a
condição da mulher e a repressão da sexualidade, permitindo, no momento de
diversão produzir aceitação.
Disse que se seguirmos o padrão, as
pessoas terão de lhe chamar de 'Afrodescendente Gil', e não 'Preta Gil'.
"Gente,
é óbvio que pode. O mundo evoluiu, a sociedade evoluiu, tem consciência do que
é homofobia, do que é agressividade e a violência... a distinção de pessoas por
causa da cor, raça, religião, sexo. Isso, sim, é grave. As músicas não trazem
nenhum mal à sociedade. Cantei no meu bloco e vou continuar cantando", protestou.
Nesta quarta-feira de cinzas vamos
refletir mais sobre a natureza do carnaval e perceber que este é o momento de
transgredir, rir a velas soltas, permitir violações verbais e divertir-se. Na
urna a coisa é séria, então nada de ser politicamente incorreto na hora de
eleger governantes, senão depois, vamos fazer parte dos blocos do Sapo Barbudo
ou do Nosferatu, ambos sedentos por impostos.
*- Texto originalmente publicado no jornal Diário dos Campos, na coluna: pensar sem medo.
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