quinta-feira, 16 de março de 2017

A chave "piscanalhítica"



Quando a psicanálise atingiu o auge de sua influência cultural na década de 80 do século passado, acostumamo-nos a fazer leituras a partir do pensamento freudiano de toda manifestação, política, social, econômica, cultural e que mais.
Desde então a psicanálise tem perdido prestígio como chave universal de interpretação, até por sua empáfia e arrogância de supersaber e fragilidade teórica, já que o próprio Freud sempre a entendeu como um saber inacabado e provisório.
É surpreendente ver aqui e acolá, o renascimento destas interpretações ingênuas e tendenciosas travestidas de saber psicanalítico, expostos de maneira simplista e propagandistas de um saber pseudo-“auto-evidente”!
João Pereira Coutinho fez, na terça-feira, na Folha de São Paulo de 14 de março uma análise breve, inteligente e perspicaz do belíssimo filme de Martin Scorsese, “Silêncio”. O que mais nos chama a atenção é que o silêncio que dá nome ao filme é chave para múltiplas interpretações, começando pela falta de trilha sonora, o que transfere para o destinatário da obra cinematográfica, àquele que assiste, trabalhar de forma crua os sentimento, as vivências do que se passa na película. É impressionante a força dramatúrgica e o envolvimento da plateia com o que se passa. É questionador, é ambíguo, faz-nos viver tão intensamente a devoção dos cristãos das terras japonesas, quanto o desalento e a morte espiritual de Ferreira.
O florescimento do cristianismo no Japão pelos missionários japoneses foi uma aventura imensa de fé, uma afirmativa resposta ao chamado bíblico do Senhor de levar a verdade que animava os discípulos de Loyola a todos os cantos da humanidade, uma bela demonstração da universalidade do cristianismo, de sua força moral e vitalidade.
A reação do xogum em 1614 é antes de tudo uma reação política, porque o estado japonês do século XVII ainda está na fase da legitimação religiosa do poder e, enquanto o cristianismo ocidental transfere o poder religioso para um Deus para além dos homens, o budismo ateu torna a hierarquia empedernida e representativa de classe imune a reformas sociais e ao direito dos mais pobres.
O sucesso do cristianismo no ocidente, bem como o operado no Japão medieval está em sua mensagem revolucionária a favor do pobre, do desvalido, daquele que tem que se esconder para professar a fé da igualdade e do valor distinto do humano.
Calligaris, que rebate a análise em 16 de março na ilustrada da Folha, comete muitas impropriedades em sua crítica ao filme e à análise de Coutinho. Em primeiro lugar,  esqueceu de falar da obra que foi resgatada pelo cineasta e pela genialidade de construção de uma expressão de arte visual.
Segundo que a história não tem “ses”. Não podemos esquecer que o budismo também não era autóctone do Japão, era flor exótica tanto quanto o cristianismo. Terceiro que as guerras religiosas na Europa se davam entre príncipes que buscavam subverter a ordem medieval da ideia de Império, e eram consequências da própria forma de pensar o cristianismo, como igualdade, como possibilidade de várias chaves interpretativas.
Por fim e mais grave, como psicanalista, não conseguiu perceber o drama de Ferreira que se acovarda e então comete a apostasia e de Rodrigues que imola sua fé para salvar os japoneses que professavam o cristianismo, tal qual Judas fez ao cumprir o seu desígnio na economia da salvação.
Dizer que “Silêncio”, obra escrita por um japonês católico interpretando a história do cristianismo no Japão nos séculos XVI e XVII é uma obra inverossímil é o mesmo que dizer que Interpretação dos Sonhos de Freud é uma obra igualmente inverossímil para a neurociência do século XXI. Deixou de apreciar a beleza literária de uma forma de entender a história, colocou filtros preconceituosos e pretensamente “politicamente” corretos para interpretar uma obra que muito provavelmente não leu.
Calligaris fala de Ferreira no século XVII como fala de si mesmo, interpreta as dores e as dúvidas de um jesuíta do início da idade moderna com os valores morais, sociais e culturais de um psicanalista do século XX. Confunde-se com o analisado, atribuí-lhe as suas fraquezas e por fim, desconstrói a história deixando no lugar uma "psicanalhice" pobre e enviesada.

Ler o livro, assistir o filme e vislumbrar a dimensão do sofrimento humano tornam a obra visual e a literária dois grandes momentos de magia que não se confundem com restaurantes e antiquários kitshs de Nova York, Londre ou Paris! 

domingo, 12 de março de 2017

Mais de Lava Jato




Desde o falecimento do Ministro Teori Zavaski o Brasil vive uma expectativa. Qual será a partir das decisões da presidente do Supremo o destino da operação que passa a limpo o país?
Inicialmente o discurso ficou um pouco ambíguo, com a presidente do STF dizendo que aguardaria a indicação do novo ministro pelo Presidente Michel Temer, e este dizendo, que aguardaria para fazer a indicação após aquela ter decidido a quem redistribuir o processo da Lava Jato na Corte.
Entre idas e vindas, com a agitação política causada pelas 77 delações premiadas da Odebrecht, achou por bem a presidente do STF consultar seus pares e por fim, acabou por homologar as delações mantendo o seu sigilo.
De certa forma a decisão é acertada, porque ela retira de si os holofotes, não quer ganhar notoriedade e criar embaraços ao mundo político mas, de outro ângulo, a demora em decidir o novo relator e levantar o sigilo, causa desconfianças de proteção e priva a opinião pública do direito inalienável à informação. A uma informação que é fundamental para começar a formar juízo sobre os homens que têm ou não, estatura moral para governar o país.
Entre idas e vindas, aposta-se em sorteio entre todos os ministros, entre apenas os componentes da segunda Câmara, na transferência para esta do Ministro Luiz Edson Fachin, enfim, um “samba do crioulo doido”.
Fala-se que o supremo pode optar por interpretações mais políticas ou mais jurídicas. O problema é que tais incertezas, tais discussões e o tempo que demandam, passam uma imagem equivocada ao cidadão, ao brasileiro que vê o pouco poder normativo, o pouco poder diretivo da Constituição, tornando a Ordem Jurídica um documento quase bíblico que pode ser interpretado ao bel prazer daquele que o invoca.
Certamente entre os quatro membros da segunda Câmara; Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandovski e Celso de Mello, há pelo menos 3 que deveriam declarar-se suspeitos, na medida em que, mantêm laços de amizade, ou tomaram posturas declaradamente públicas quanto à evolução do processo.
O próprio risco iminente de Dias Toffoli ser sorteado relator, quando sua ida para a segunda Câmara já foi um escândalo nacional, até pelo seu íntimo envolvimento com a elite petista no período em que esteve no Governo, é por demais estarrecedor para ser vislumbrado, na medida que esse ministro não vê impedimentos e suspensões onde elas são obscenamente óbvias.
Neste momento, Cármen Lúcia deveria estar muito preocupada com a imagem que a Corte Suprema passará à sociedade, qual a mensagem que dará ao povo, qual o compromisso que irá estabelecer com a Ordem Jurídica. Idas e vindas, fazem apenas desacreditar da igualdade propalada pela lei entre todos os brasileiros.
É urgente a reforma política do Estado Brasileiro, a Lava Jato é um momento especial de fragilização das elites governantes que poderia tornar mais palatável tal reforma na medida em que as enfraquecem e colocam a necessidade de restabelecer o pacto da nacionalidade.
Mas ao contrário, se formos incapazes de mostrar ao brasileiro que à mulher de Cesar não basta ser honesta, mas tem que parecer honesta, podemos desacreditar as instituições e fazer crer que: para os inimigos a lei, para os amigos, ora, para os amigos o sigilo, o silêncio e o olvido indolor do tempo.



*- Texto originalmente publicado no jornal Diário dos Campos, na coluna: pensar sem medo.




Donald e Mickey governam americanos




Sebastián Piñera, ex-presidente do Chile, teve uma grande sacada no dia 31 de janeiro. Não é que os Estados Unidos estão sendo governados por Donald e Mickey?
Escreveu o ex-dirigente no twiter: “Donald Trump escolheu Mickey Pence como vice-presidente. Ou seja, os EUA são governados por Donald e Mickey. Será que Walt Disney sonhou com isso?”.
Independente da constatação preclara, a atuação de Donald Tramp nestas primeiras semanas faz com que a sociedade política se pergunte se ele vai ou não vai descer do palanque tão cedo.
O populista e demagogo presidente vem tomando medidas para pôr em prática todas as suas promessas de campanha, mesmo as mais delirantes e radicais. Assim, é importante então saber se, e em que escala, ele será contido pelo aparato institucional norte-americano.
Ocorre que ele é um desafio ao modelo de democracia representativa de voto universal e facultativo. E não faz qualquer segredo do seu desprezo quanto ao modelo, utilizando-se de forma oblíqua do sistema para fraudá-lo.
Obama que governava com minoria em ambas as casas do Congresso, atuou muito por meio de decretos. Assim, Trump tem tido pouco trabalho para desmontar o que restou da administração democrata e para cumprir suas promessas.
Imediatamente editou normas contra os imigrantes. Diante do caos instalado com o decreto que limitou a entrada de estrangeiros, juízes não tardaram em conceder liminares suspendendo alguns dos efeitos da medida.
Ora, o que Trump fez foi cumprir com seus compromissos eleitorais. Sabidamente condenamos os políticos que prometem durante a campanha e simplesmente esquecem tudo ao assumir o poder. Donald esbarrara na lei, pode até recuar parcialmente, mas ele tem maioria em ambas as casas e seu humor é muito parecido com o tio de Huguinho, Luizinho e Zezinho.
Há que perceber que há uma nova forma de fazer política no espectro à extrema direita e que suas atitudes já bastam para ser vendidas como uma vitória a seus eleitores.
Ele pode dizer a seus simpatizantes que está trabalhando para tornar as fronteiras seguras, para recuperar os empregos dos americanos, restituir-lhes a estima. Para o presidente a mídia, a elite política, os eleitores de Hilary e aqueles que se abstiveram não estão entre as prioridades e preocupações.
Tal é, em última análise, o resultado das democracias com voto universal onde a maior minoria é sempre capaz de impor, quando organizada e bem explorada, seu modelo de mundo, fundamentado em seus preconceitos e ideologias.
Trump como novo presidente está tentando provar que é um homem de palavra e que cumpre suas promessas, o que rompe com o modelo da classe política e faz com que sua penetração no imaginário do americano médio se faça ainda mais fortemente.
Se suas atitudes tresloucadas não redundarem em inflação, perda de poder aquisitivo, perda de influência no mundo e dificuldades econômicas pelo seu amadorismo voluntarista, há um grande risco de vermos esgotado o modelo político de Alexander Hamilton e Thomas Jefferson
Se agisse de outra forma, seria classificado como um político igual aos outros e rapidamente perderia sua base de apoio. Ao sair logo de cara atirando para todos os lados contribui para a reputação de jogador duro, que poderá ajudá-lo em futuras negociações.
Num mundo em que a mídia eletrônica é todo poderosa para estabelecer o que é a verdade, até que ponto a doutrina dos fatos alternativos não veio para perpetuar uma nova etapa da política e da história do Ocidente?



*- Texto originalmente publicado no jornal Diário dos Campos, na coluna: pensar sem medo.





quarta-feira, 1 de março de 2017

Chamem o Exército



O Brasil tem sofrido desde o final do século XIX de, entre outros, dois grandes males: 1. O Estado pode resolver todos os problemas da sociedade; 2. Há um problema grave e aparentemente insolúvel, chamem o Exército.
Estamos vivendo o momento paradigmático da história brasileira quanto à revoltas nos presídios. São décadas de descaso com a educação (o que não se investe em educação, se gasta na construção de presídios), século no completo esquecimento de uma política minimamente séria d e segurança e uma história de descaso, insensatez, falso moralismo e cinismo na política penitenciária.
Para completar, decorrente da incompetência dos governantes estaduais (situação que se perpetua por que quem de nós, respeitáveis cidadãos, questiona seus candidatos sobre sua política para os encarcerados?), o governo federal decidiu escalar os militares para inspecionar presídios.
Tal atitude busca o resultado midiático de que se está fazendo alguma coisa, porém, equivale a enfrentar o crime organizado empunhando uma espingarda de chumbinho. Quem o diz é Walter Maierovitch, desembargador aposentado e ex-secretário nacional Antidrogas.
Todos assistimos com ceticismo ao anúncio feito nesta terça (17) pelo porta-voz do presidente Michel Temer de que estava disponibilizando as forças armadas para controlar a carnificina que graça nas prisões.
Critica Maierovitch: "Mais uma vez, estão fazendo uso político das Forças Armadas diante de uma situação de descontrole. Já vimos isso acontecer antes, nos governos Lula e FHC".
É verdade. Quando vemos os textos jornalísticos sobre a revolta, vemos expressões como, “bandos de criminosos”, “facções de criminosos” e “ações de criminosos”, mas esquecemos que nossa sociedade prima pela hipocrisia.
Queremos penas cada vez maiores para aqueles que violam a lei mas, temos a metade das vagas do que criminosos para encarcerar. Aliás, já temos mais de 600 mil presidiários, a quarta maior população encarcerada do planeta e estamos longe de equalizar as questões de segurança pública. Por quê?
Porque queremos que o sujeito preso morra em uma masmorra fria, úmida, insalubre e se possível a ferros. Daí que, a revolta dos presidiários e sua união em grupos ou facções, nada mais é que o exercício do direito natural à vida e à liberdade, uma busca de sobreviver a uma sociedade desumana e desigual.
Evidentemente que a presença do exército não conterá a barbárie nas cadeias. Mais provável é que aconteça algum incidente grave maculando a instituição, ou pior, a contaminação de seus efetivos com a cultura do mundo marginal.
O mais novo Plano Nacional de Segurança Pública é mais uma das iniciativas dos últimos 30 anos para dar uma satisfação imediatista e inócua a um problema crônico (nada mais eficaz e ineficiente do que criar uma comissão estatal para resolver um problema).
A presidente do STF Ministra Carmen Lúcia propugnou um recenseamento dos presídios. Mas para que serve tal medida agora, se sabemos que há homens vivendo com menos de 1 metro quadrado, muitos deles sem julgamento, em pocilgas infectas dignas do inferno de Dante?
A responsabilidade pelo embrutecimento dos homens que hoje se imolam no altar do descaso e da insensatez é da sociedade, de nós eleitores. Elegemos para nos governar nos Estados políticos incapazes de vislumbrar outro objeto que não o Poder e sua perpetuação.
Somos os responsáveis porque é obrigação dos Estados administrar os infernos dantescos onde habitam nossos irmão de nacionalidade, questões nunca postas em campanhas, nunca equalizadas nos orçamentos, ficamos a exigir penas, mas não nos preocupamos com seu cumprimento e seu resgate.

Chamem o Exército, como sempre, uma medida muito eficaz, mas absolutamente ineficiente, demonstrando toda nossa impotência e hipocrisia.

*- Texto originalmente publicado no jornal Diário dos Campos, na coluna: pensar sem medo.

Censura é constitucional?



Arnaldo Jabor é hoje um colunista e escritor que tem encontrado muita receptividade nos meios mais conservadores da sociedade brasileira, e independente do que pensa, seu direito à liberdade de expressão deve ser defendido até à morte (Voltaire).
Pois bem, tem sido divulgado por vários meios que no dia 12 de outubro de 2006, um ministro do TSE ordenou que a Rádio CBN retirasse de sua página na internet a coluna de Arnaldo Jabor datada de dois dias antes.
Naquele momento a sentença do juiz assim justificava a ofensa a direito fundamental da cidadania: ‘O comentário impugnado na petição inicial pode ter contrariado a legislação eleitoral. Como medida de natureza cautelar, determino liminarmente sua retirada da página da Representada na rede mundial de computadores e de todas as suas afiliadas’.
Por que voltar a esta discussão? Porque hoje, qual de nós é capaz de separar de maneira clara, objetiva e instantânea o que é verdade e o que é boato na internet?
Qual a relevância de uma sentença inconstitucional prolatada há mais de 10 anos?
O que nos faz voltar àquele fato é que em abril o PT pretende lançar Luiz Inácio Lula da Silva novamente à presidência da república, e teremos novamente no horizonte o risco de virmos a ser governados por um grupo que busca assaltar o poder e aparelhar o Estado.
Hoje o texto escrito por Jabor em outubro de 2006 parece profético, quando na realidade ele era apenas uma visão clara, lúcida do que se avizinhava no horizonte, demonstrado bem pela Lava Jato toda a falácia que obnubilava a compreensão do que foi o regime lulo-petista.
Naquele momento o juiz determina o amordaçamento de um colunista porque julga que pode ter infringido a legislação eleitoral. Ora, se pode ter, pode não ter, na dúvida há que se decidir pro reo.
Mas o PT estava no auge de seu poder, superado um escândalo monumental que foi o mensalão, muitos ministros tinham sido defenestrados e mesmo assim, o judiciário se dobrou, ajoelhou-se ao déspota de plantão e cassou a voz que ousava dizer que o “rei estava nú”!
Naquele momento o Ministro Ari Pargendler determinou a retirada do texto da página da CBN e de todas as suas afiliadas porque considerou que o comentário de Jabor favorecia o candidato de oposição Geraldo Alkmin.
Vamos reconhecer que o judiciário e o PT julgaram Arnaldo Jabor muito mais influente e muito mais poderoso como formador de opinião, do que se pudesse a primeira mão acreditar.
A denúncia que o colunista fazia de que vivíamos sob um choque de socialismo deformado, num populismo estatista, num getulismo canhestro e tardio que nos trouxe até o fundo do posso onde nos encontramos, serve bem para nos alertar que o risco de voltarmos a este pesadelo existe,
Assim, a verdade dos fatos não se impôs, e vivemos ainda 10 anos sob a insensatez, sob a ameaça constante de uma nova lei de imprensa, “mais popular e democrática” como aquelas que vigeram no leste europeu depois de 1945.
A censura é uma das pragas das quais nos julgávamos livres com a Carta de 1988, uma garantia fundamental que ousávamos crer havíamos conquistado, mas bastou a ascensão de um líder carismático ao poder, para que ela mostrasse sua cara!

Para evitar retrocessos, nós brasileiros, precisamos abandonar o sebastianismo próprio de nossa herança ibérica, precisamos lutar pela liberdade de imprensa, nunca conquistada em sua plenitude, e nunca esquecer que: A Censura é inconstitucional!

*- Texto originalmente publicado no jornal Diário dos Campos, na coluna: pensar sem medo.