Países nos
quais a tradição da ordem democrática e do Estado de Direito não se
consolidaram, permanecendo um ranço caudilhesco, sempre há a possibilidade da ruptura
constitucional e há um namoro com a ditadura do salvador da pátria. No Peru tal
tentação está sempre presente, Alberto Fujimori é exemplo recente.
Quando
Montesquieu defendeu a distribuição do poder soberano por três instituições do
Estado, visando a defesa da cidadania e a proteção contra o abuso do poder,
tinha em mente que cada uma preservaria para si uma porção generosa da
soberania e que através de um mecanismo de freios e contrapesos, garantiriam o
Estado de Direito.
Não há na
teorização da construção do Estado sob este paradigma uma preeminência de um
dos poderes, mas o primeiro país que implantou um sistema amparado em suas
ideias, manteve na figura do chefe do poder executivo, algumas das prerrogativas
dos Reis dinásticos, como a representação externa e o comando da chefia das
forças armadas.
Esta pequena
concessão criou um desequilíbrio que levou a Benjamin Constant de Rebecque
perceber a necessidade de um Poder Moderador que funcionasse como chave
interpretativa e funcional dessa tripartição.
A democracia e
o Estado de Direito apenas tiveram viço nos países latino americanos após a
independência no único país monarquista, o Brasil. E apenas porque foi sábio o
suficiente para acolher o pensamento de Benjamin Constant e evitar o
caudilhismo, a praga que graça até nossos dias nos países de tradição
ibero-espanhola.
No entanto,
quando do golpe militar que instaurou a ditadura militar de 1889 a 1891 e a
República, Deodoro da Fonseca trouxe para o Brasil essa maldição do poder imperial
de presidentes militares ou apoiado por militares, que desrespeitam as
instituições em nome dos mais variados motivos, desde clamor popular até visões
salvacionistas.
Foi com a
postura arrogante de um chefe imperial que Deodoro alegando que não havia
condições mínimas para exercer com dignidade o seu posto, decretou a dissolução
do Congresso eleito em 1890. Ainda sob a sombra do período Imperial, o Brasil
rejeitou a manobra e Deodoro teve de renunciar ao poder e entrega-lo ao
“marechal de Ferro” de triste e assassina memória.
Assim, em 2019
se repete no Peru essa triste tradição de um presidente julgar democrática a solução
de fechar o Congresso e impor um ruptura com a ordem Constitucional, resultado
do enfraquecimento das instituições republicanas, em processo alarmantemente
paralelo com o que vem se sucedendo, não na mesma proporção, em nosso país.
Martín
Vizcarra se escuda num questionável apoio popular para desmantelar o Estado
Democrático de Direito. O caso do Peru é a soma de megaescândalos de corrupção,
com um sistema político extremamente fraturado e dividido, a perda da dignidade
da classe política e um judiciário incapaz de com responsabilidade defender a
Ordem Constitucional.
O problema é
que as semelhanças com o nosso país são perturbadoras. O Ministério Público vem
se comprometendo com um ativismo político inaceitável e as confissões
abobalhadas de Janot só vêm para reafirmar a instrumentalização política de um
órgão de Estado que deveria ser o custus
legis, ou seja, o defensor da Lei.
O Judiciário
interpreta a seu bel prazer a Constituição e utiliza um inquérito para fazer
busca e apreensão na casa de Janot, sem que haja crime a ser apurado, na busca
de provas de uma propaganda mal intencionada de um livro mal escrito.
O Executivo,
bom, este está sem programa, sem direção política e apostando num salvacionismo
avant la lettre, tal qual um
Sebastião que volta do passado da ditadura militar para salvar o Brasil de sua
democracia.