quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Surrealismo





O surrealismo é um movimento artístico surgido na França nos anos 20 do século passado, como reflexo da tormentosa revolução tecnológica que afligiu a sociedade humana desde a década de 70 do XIX e que culminou com a destruição industrial da cultura e da humanidade, no prelúdio que foi a primeira guerra mundial de 1914.
Como dizia André Breton, um de seus principais teóricos, o movimento objetivava “resolver as condições previamente contraditórias entre sonho e realidade”.
O Brasil desde 1988 vem sonhando com uma democracia estável, com a recuperação e a reconciliação com a memória passada da ditadura militar. Período em que contraditoriamente mostrou ao mundo que poderia crescer a índices vertiginosos, mas que ao mesmo tempo levou à estagnação dos anos 80 e ao processo hiperinflacionário. A variação média dos preços nos anos 80, herança do regime militar foi de absurdos 233,5%.
Assim, em meio a uma memória falsificada e expurgada da realidade, a população lembra do que foi positivo ou transformador durante o período militar, mas esquece, esforça-se por não trazer à memória a violência, a falta de liberdade, a truculência policial, o desastre econômico e o abandono da arte, da memória e da cultura, como elementos constitutivos de uma nacionalidade sadia.
As contradições continuaram a se acentuar com a abertura democrática, fundamentada num processo lento, gradual e seguro, para aqueles que renunciavam ao poder e à violência política, deixando como herança um sistema caótico, multiplicando partidos de aluguel e deformando o sistema político. O projeto era permitir toda mudança possível para que tudo permanecesse o mesmo.
Tais manobras levaram ao Governo FHC, um momento de lucidez que fez o necessário para reformar economicamente o país e livrá-lo do flagelo inflacionário. Houve uma sincera busca pela consolidação do regime. No entanto, fruto dos conflitos internos e inerentes ao sistema, a cultura política se fragmentou em dezenas de partidos inexpressivos, abúlicos e de aluguel.
O único movimento que subsiste envergonhado é a geleia amorfa chamada Centrão. Fisiológico e adesista, vai dando alguma previsibilidade ao funcionamento do Legislativo. No entanto as contradições se agravaram e a tentativa do PT de se apropriar dos sistemas de aparelhamento do Estado, antes nas mãos do MDB, determinaram o surgimento de um embate final, tendo como resultado o Mensalão e a Lava Jato.
Dos escombros do conflito político-partidário pelo espólio do Estado e de sua reorganização em benefício de um dos grupos em luta, surge um movimento surrealista na política brasileira. Um deputado do baixo clero, 28 anos sem absolutamente nenhum brilho, que é reacionário, saudosista do regime militar e adorador de torturadores, além de ter passado por cinco partidos inexpressivos durante sua carreira política, chega ao poder e no poder estremece as instituições e cria incêndios diários, para depois atear sobre ele gasolina, para ver se incinera o Estado e a sociedade brasileira.
É surrealista ver um presidente da República se envolvendo em mesquinharias políticas, disputando o comando de uma legenda inexpressiva, usando a Polícia Federal para investigar o presidente da legenda que o elegeu. A deslealdade e o banditismo se instalam desde o centro mais elevado de poder da República.
O colapso do sistema político interessa àqueles que querem destruir as instituições, e a não ser pela Câmara dos Deputados, com o conluio do STF, caminhamos para o abismo do Estado de Exceção.

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