domingo, 21 de julho de 2019

Senado para quê?





O Senado da República foi instituído como órgão representativo da federação e como instância revisora das paixões políticas que pudessem encontrar expressão na Câmara dos Deputados e desestabilizar as instituições.
Deveria constituir-se na câmara revisora que trouxesse equilíbrio, sobriedade e seriedade ao sistema político. Ocorre que, ao contrário dos Estados Unidos onde apenas 2 senadores são eleitos para cada um dos 50 estados, com mandatos alternados, o Brasil acabou tendo 3 senadores para cada unidade, com mandatos extremamente longos, determinando a constituição de uma casta de políticos coronelistas, oligarcas e patrimonialistas.
Outra importante deformação do sistema bicameral no país é que o Nordeste com 9 Estados membros e o Norte com 7, totalizando 16, têm 48 representantes em 81 possíveis. Ou seja, sem a anuência das duas regiões mais pobres e dependentes do governo central nada se aprova ou pode ser votado no país.
Tanto é assim, que desde a Constituição de 1988, apenas 1 presidente do Senado foi de região distinta de Nordeste/Norte. Foi o Senador Ramez Tebet do Mato Grosso do Sul entre 2001-2003.
Durante o período Lulo-petista o Senado foi um feudo de Sarney e de Renan Calheiros que se revezaram na presidência do Poder. Mas, para além de suas deformações do sistema político, o Senado não vem cumprindo com suas funções, tornando-se apenas e tão somente um balcão de negociatas das oligarquias nordestinas e nortistas, sem nenhum serviço relevante prestado para a proteção das instituições e para o engrandecimento e o enraizamento da democracia no país.
Exemplos de quanto o Senado não cumpre com o seu papel são muitos, mas dois recentes são particularmente eloquentes para demonstrar a total ineficiência e necessidade de extinção do órgão, na medida em que, descumpre suas relevantes funções.
O primeiro fato relevante é a nomeação de Dias Toffoli para o STF. Em 2009 Lula da Silva indicou para ministro o Advogado Geral da União que tinha sido advogado do PT, das campanhas do presidente e que não reunia, sabidamente, os requisitos exigidos pela Constituição para ocupar uma vaga de ministro na Suprema Corte.
É tão vergonhosa a indicação, que Dias Toffoli nunca se absteve de participar dos julgamentos em que seu ex-representado ou seu chefe na Casa Civil eram réus, numa flagrante violação do Código de Processo Penal. A atuação de Dias Toffoli durante todo o período é de fragilização da Lava Jato e da capacidade investigativa do Ministério Público, culminando ontem (16/7) com liminar para suspender, em âmbito nacional, os processos de lavagem de dinheiro o que é do interesse de gregos e troianos.
O segundo fato relevante é quando o ex-ministro da Integração Regional (2011-2013), Fernando Bezerra Coelho, líder do governo Bolsonaro no Senado, garante que há maioria parlamentar para a aprovação do deputado que sabe falar inglês (porque fez intercâmbio de 6 meses), espanhol e sabe fritar hamburguer, para ser embaixador em Washington.
É vergonhosa a subserviência e a rendição do Senado ao poder imperial dos presidentes da república, e se não são capazes de resistir às sandices, se não são capazes de fazer valer a respeitabilidade das instituições republicanas e dos deveres de que são investidos, não há porque despender tamanho esforço para manter um órgão meramente homologatório da vontade estapafúrdia do presidente de plantão.
Se o Senado Federal aprovar a designação do deputado do hambúrguer para a embaixada, então, vamos fazer uma campanha honesta pelo seu fechamento. Para que Senado?

Texto originalmente publicado no jornal Diário dos Campos.

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Um Brasil cada vez mais dividido




A sociedade brasileira vem sofrendo processo de clivagem que se acentua com o advento do governo do PT. A Constituição de 1988 ao fundar um Estado Social de Direito propugnava a solidariedade e o resgate das camadas populares, mas o que produziu foram fraturas que tem se acentuado.
A primeira constatação que precisamos fazer é que, segundo o DataFolha, a aprovação do presidente fica em torno de 33%, sua reprovação em 32% e temos uma geleia que não aprova nem desaprova, mas migra para um polo ou outro dependendo das condições da economia.
Ilustrativo das divisões existentes no país é que nos que aprovam o governo de Bolsonaro, vemos os mais ricos, os mais velhos, nos Estados do Sul e do Sudeste. Lugares onde a renda é maior e onde a proporção de idosos e aposentados é também maior.
A constatação óbvia é que por ser uma população mais idosa, tem um saudosismo canhoto dos militares. O golpe promovido em 1964 pretendia resgatar a economia brasileira que patinava, evitar o fantasma do comunismo e acabar com a inflação. 
A ditadura pouco fez de relevante nestes termos e utilizando-se da fartura de petrodólares no final da década de 60 e início do 70, fez empréstimos a custo baixo e promoveu um crescimento chinês que se espatifou na primeira crise do petróleo em 1973. A partir de então o nacional-desenvolvimentismo dos militares levaram o país a crescentes déficits e a crescimentos dignos do Haiti.
O saudosismo esquece que, apesar de 5 anos de crescimento vertiginoso, os militares deixaram ao país um legado de mais de 20 anos de hiperinflação e estagnação econômica, com o empobrecimento intenso das camadas populares, regados à ironia do “deixar crescer o bolo para só então distribuí-lo”!
As camadas que apoiam o capitão reformado, viúvas da ditadura, são aqueles que tem o saudosismo reverencial de uma política econômica que trouxe estagnação, hiperinflação e empobrecimento do país até o advento do Plano Real em 1994. Sem o governo de FHC, sem a Democracia-social, o Brasil jamais teria alcançado os bons resultados dos anos 2000.
A segunda constatação é que a aprovação da reforma da previdência é mais popular exatamente nas camadas populares mais abastadas e mais idosas, ou seja, aquelas que não são atingidas pelas mágicas de empobrecimento oferecidas à população em troca de uma suposta restauração da saúde financeira do Estado.
É fácil para os agora aposentados dizerem que o brasileiro se aposenta cedo, que as aposentadorias têm de ser reduzidas, que há que comprimir os gastos com a previdência, na medida em que os seus direitos já estão assegurados e que militares e aqueles encastelados no poder encontram fórmulas de se protegerem dos sacrifícios impostos a toda a sociedade.
É bizarro encontrar pessoas defendendo o discurso de que crianças podem trabalhar e que tal não fere a dignidade e os direitos fundamentais dos menos favorecidas. Os mais velhos que hoje apoiam estas sandices, têm individualmente memórias edulcoradas e românticas sobre o que é o trabalho infantil e sobre os seus esforços para ganhar a vida e chegar, por mérito, à situação em que se acham. Esquecem a vastidão do país, a miserabilidade de imensos territórios e da indignidade com que muitos dos filhos do Brasil são tratados, explorados até à miséria e à morte.
Talvez a divisão que verificamos na população brasileira destes tempos tão deprimentes, exponham os aspectos mais apavorantes da face de um país que não é cordial, que não é brejeiro, que não é solidário e talvez por isso, a igreja que mais lutou contra o arbítrio e a ditadura esteja em declínio. Será que queremos um ministro terrivelmente evangélico no STF, ou queremos democracia e liberdade?

Laércio Lopes de Araujo


Texto originalmente publicado no jornal Diário dos Campos!

Em busca da Oclocracia




O governo do capitão reformado começou acenando para as massas, para a multidão, na busca de um apoio para governar para além das instituições da República. Instituições que jurou respeitar e proteger quando tomou posse como presidente.
Aquilo que chamamos de oclocracia não é, rigorosamente, uma forma de governo, mas uma situação crítica a que são levadas as instituições, ao sabor da irracionalidade das multidões e do governante de plantão. 
A concepção política indica o jugo imposto pelas multidões ao poder legítimo e à lei, fazendo valer seus intentos acima de quaisquer determinações do direito. Durante o governo de Dilma tal foi intentado com o decreto que previa a participação popular em conselhos que definiriam as políticas dos ministérios, afastando o Parlamento. Decreto que foi cassado pelo Legislativo.
A oclocracia também pode ser definida como o abuso que se instala num governo democrático quando a multidão se torna senhora dos negócios públicos. Tal é o que pretende o núcleo duro do bolsonarismo, chefiado por Carlucho e companhia. O problema é que estas minorias organizadas e barulhentas acabam por impor visões que estão em desconformidade com a democracia liberal e colocam em risco a estabilidade do Estado e da sociedade.
O presidente não tem ajudado na defesa das instituições. Mesmo agora, quando alega que não participará das passeatas a favor de seu governo e basicamente contra o STF e o Legislativo, programa viagem à Hungria, à Itália e à Polônia.
Os três países passam por severa crise política com o fortalecimento de forças de estrema direita anti-democrática, com o enfraquecimento das instituições políticas e da força constitucional do Estado.
Enquanto a União Europeia busca isolar as forças políticas que estão solapando a democracia nestes países, o nosso governo faz a corte destas forças políticas demonstrando que marcha na contramão da consolidação do processo de democratização da sociedade brasileira, que incompleto e frágil, teve início com a Constituição Cidadã de 1988, que mal completou 30 anos e já coleciona dois Impeachments.
O capitão reformado vem perdendo o rumo devido às investigações sobre a curiosa e suspeita política de RH dos gabinetes da família. Para alguns aliados, como o olavete do Itamaraty, o chefe quer só desligar a “maldita máquina” corruptora apoiado nas promessas de campanha e no projeto aprovado nas urnas.
Mas alguns apoiadores lúcidos esclarecem e alertam sobre a natureza da tentativa de oclocracia do presidente, como Janaina Paschoal que escreveu: “Essas manifestações não têm racionalidade. O presidente foi eleito para governar nas regras democráticas. Dia 26, se as ruas estiverem vazias, Bolsonaro perceberá que terá que parar de fazer drama para trabalhar!”.
Curioso é observar que enquanto as forças mais liberais começam a descolar do radicalismo de direita raiz do entorno do presidente, os militares continuam enredados e aliciados a apoiar um governo que os compromete com o desafio à Ordem Democrática. Entidades militares, em nome da defesa do regime ditatorial militar, estão convocando o movimento de 26 de maio, numa flagrante ofensa dos deveres constitucionais de defesa da ordem, da sociedade e das instituições que a Constituição lhes determina.
Alguns já se perguntam sobre o que pensa Sergio Moro. Congresso ou STF, qual liquidar primeiro para haver governabilidade? 
Votamos contra o PT para desaparelhar o Estado e defender a Democracia. Elegemos um tirano que busca manipular a massa para estabelecer o poder pessoal! E agora?

Laércio Lopes de Araujo

Texto publicado originalmente no jornal Diário dos Campos! 

Um presidente em declínio




É surpreendente, porém, de forma alguma inesperado, que o presidente eleito em outubro do ano passado, passados apenas quatro meses de governo, já se ache em franco declínio, tanto em capacidade de governar quanto em popularidade.
No domingo, dia 12 de maio, o capitão reformado acabou declinando de maneira amoral o acordo que fez com o ex-juiz Sérgio Moro, para que este abandonasse uma meritória carreira de juiz federal e se associasse ao projeto político bolsonarista, tornando-se ministro da justiça de um governo completamente sem rumo, tendo como pagamento a promessa de ser indicado a uma vaga de ministro do STF quando esta surgisse.
Com suas interferências no preço do diesel, com seus decretos de liberação de armas, com seu silêncio quanto ao laranjal plantado no seu ministério do turismo, com os escândalos ligando seus filhos a milícias, o presidente vem afundando progressivamente na rejeição da população brasileira que minimamente se importa com o futuro do país.
Entre os desmandos do governo instalado no planalto está a escolha de dois ministros da Educação incapazes de compreenderem as necessidades da área. Não há projetos, não há programa, não há condução burocrática minimamente capaz de enfrentar os desafios da educação no país.
Perguntado sobre as manifestações que incendeiam o país, o presidente mostrou claramente como pensa e como reage à democracia:
“É natural, agora a maioria ali é militante. Se você perguntar a fórmula da água, não sabe, não sabe nada. São uns idiotas úteis, uns imbecis, que estão sendo usados como massa de manobra de uma minoria espertalhona que compõe o núcleo de muitas universidades federais no Brasil.”
A incompreensão absoluta da realidade social, política e econômica pelo governante apenas acentua intensamente o divórcio entre a sociedade e a administração e demonstra cabalmente que as assertivas do capitão reformado de que não entende nada de economia, de governo, de política, são absolutamente verdadeiras o que o incompatibiliza com o exercício da maior magistratura da nação.
Interessante observar que se os estudantes e a sociedade que foram para as ruas reivindicar mais respeito pela educação e maior capacidade de gerenciamento de uma das mais importantes áreas de atuação do Estado são uns idiotas úteis e uns imbecis que servem de massa de manobra, o que seria uma boa descrição da massa de alucinados que acompanham e aplaudem a forma de governar do presidente e de seus filhos através das mídias sociais como twiter e WhatsApp?
Esses grupos também são minoritários e são utilizados como massa de manobra para silenciar os discursos que se opõe à forma autoritária e atrabiliária do atual governante. São também minoria espertalhona que compõem o núcleo da direita radical, absolutamente alheia aos valores da democracia liberal, da pluralidade política e do respeito ao dissenso político.
Estamos diante de um governo que começa a chafurdar em sua própria incompetência, que já se reflete dramaticamente na explosão do dólar, na queda da bolsa de valores, no aumento do desemprego e que já marca um retrocesso do PIB que no primeiro trimestre de 2019 recuou em relação ao ano anterior.
O problema que a democracia brasileira terá de enfrentar é que o atual governo está apenas no seu início e já enfrenta um declínio acentuado. Está no seu início, mas coleciona derrotas dignas de um governo em seu ocaso. Talvez seja hora de o sistema político se reinventar, antes que alternativas golpistas comecem a se articular.

Laércio Lopes de Araujo

Texto originalmente publicado no jornal Diário dos Campos!  

Forças Armadas aliciadas como cúmplices.




O governo do capitão reformado amparado no discurso do cumprimento de promessa de campanha, tem legislado, ao arrepio do Parlamento, de forma benevolente para com a disseminação do porte de armas e por consequência, do aumento potencial da violência privada.
Não por outro motivo a parte em que o governo tem se mostrado mais atuante é exatamente aquela que vem de encontro aos interesses da Segurança Pública. Armar a população, fazer discurso pela inimputabilidade do exercício do desforço voluntário, pugnar por excludentes de culpabilidade mais abrangentes enfim, expondo a fraqueza e a fragilidade do Estado para não só dar segurança à sociedade como garantir o monopólio da violência.
Max Weber foi o teorizador do monopólio legítimo da violência, como meio de fornecer segurança aos cidadãos e símbolo da soberania e da própria razão para a existência de um Estado. Só muito recentemente o Estado se tornou o detentor por excelência do monopólio da força armada. 
O Brasil tem enfrentado uma luta constante pela quebra deste monopólio, seja pelas tropas privadas de segurança armada, seja pelos guerrilheiros do tráfico, seja pelas milícias que se estabeleceram como verdadeiro estado dentro do Estado, particularmente no Rio.
A partir de 1648, na Conferência de Westfália, desenvolveu-se o conceito de exércitos compostos de cidadãos leais a um Estado-nação. Não se concebe mais a existência de mercenarismo, de milícias particulares ou exércitos privados, sobretudo após a introdução da arma de fogo. 
Ocorre que no momento que vivemos, temos um governo central que tem repetidamente permitido que a população civil se arme. Que a violência, que deveria ser monopolizada pelo Estado como mecanismo de exercício da soberania e da garantia da segurança pública, se difunda entre as classes sociais para a defesa de seu direito de propriedade e de seus preconceitos de classe.
Não podemos esquecer as tortuosas e ainda inexplicadas ligações entre o clã Bolsonaro e as milícias do Rio. Tudo faz crer, que boa parte do poder político do clã está amparado em ligações espúrias com a violência paraestatal o que coloca em xeque a própria soberania.
Quando Jair Bolsonaro escolheu Hamilton Mourão para o cargo de Vice-Presidente em sua chapa, ele o fez como um seguro contra o Impeachment. Os militares e Forças Armadas como ator institucional e político.
Bolsonaro trouxe os militares para o governo para dar estofo aos seus planos de ruptura com a democracia, para que seus paços em direção a um Estado fascista fossem aplainados pelo barulho ensurdecedor dos coturnos que marcham impunemente pela esplanada dos Ministérios. Mas o capitão reformado, que ficou apenas 10 anos no exército e 30 fazendo política de baixo clero, não gostou que as Forças Armadas tentassem tutelá-lo e com isso, imposto limites aos planos fascistas em execução.
É aí que entra o guru astrólogo da Virgínia, que tem repetidamente atacado Santos Cruz, Mourão e Heleno, enfraquecendo a resistência dos militares dentro do governo e permitindo que com os decretos de armas o Presidente lentamente crie milícias por todo o Brasil, e transforme o Estado em refém de civis armados para sustentar o seu poder sem a resistência das Forças Armadas, instaladas confortavelmente em ministérios e instituições, tornando-as cumplices na planejada debacle do Estado brasileiro.
Bolsonaro cumpre promessas de campanha, a de tornar o país um lugar pior para se viver, a de retornar ao Estado ditatorial do Regime Militar, amparado em militares inconscientes de seus deveres e em milícias que se formam com decretos que fragilizam a soberania do Estado.

Laércio Lopes de Araujo


Texto originalmente publicado no Diário dos Campos!